"A quem confiar minha tristeza?"
Ao rio profundo, que atravessa a cidade
com águas tão turvas quanto a cor dos meus olhos?
À onda rasa que tocou a ilhota, na maré alta,
às quarto e vinte e cinco da tarde?
"A quem confiar minha tristeza?"
Ao bêbado desconhecido, que faz da rua larga
um desafio, a vendo tal qual uma corda bamba?
Ao pássaro dado a cantos que pousa, aos domingos,
na janela de vidro ao lado?
"A quem confiar minha tristeza?"
Ao papel mudo, branco e alinhado,
que não dá chances à caneta cheia de versos de amor?
Ao sorriso despretensioso daquele moço,
que roubou 10 segundos de instantes
do meu dia nublado e sem sabor?
"A quem confiar minha tristeza?"
Ao menino peralta, que rasga o meio da tarde
com seu descompromisso e desconversas com o tempo?
Ao vento, que nas horas de outono,
não respeita a velhice das folhas,
as relegando ao chão seco sem promessas?
"A quem confiar minha tristeza?"
Às paredes da antiga igreja,
que entre risos e choros,
guarda todos os segredos em silêncio?
Ao diário, sem chave,
que guardo no relicário desbotado,
sobre a mesa de madeira,
ao lado dos livros sambados pelo tempo ?
"A quem confiar minha tristeza?"
A quem?
A quem confiar a mim?
(Um poema nascido pós leitura do conto "Angústia" de Anton Tchekhov.)
Thai Pinheiro
Foto: Google Imagens