sábado, 26 de maio de 2012





Ser

Os respingos da chuva de ontem
ainda permanecem no vidro embaçado,
a janela é a mesma,
as margaridas também.

Antigamente, havia árvores
de caules verde sumo,
mergulhadas num capim
rasteiro e bordadas
por flores desbotadas
de coração amarelo.

Hoje, um girassol ávido por chuva
engana-se em meio
aos escombros da casa antiga,
enquanto as margaridas
amargas riem da vida.

E, eu ali, juntando retalhos,
costurando o passado,
invejando o girassol
que cresce na terra de sal.

Vivo, tateando na penumbra
do agora, que sem piedade
brota, despetalando-me.
Ser, é mesmo, para os fortes.

Thai Pinheiro

domingo, 20 de maio de 2012




“Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhamos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes paramos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhamos o céu e interrogamos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas ilusões de que tudo podia ser meu pra sempre.”


Miguel Sousa Tavares 

terça-feira, 15 de maio de 2012



Quero a simplicidade de sentir
De sofrer miudinho, 
Bem quietinho,
Sem ao menos sussurrar
Acordar descabelada,
Desapegada das sementes de certezas
Ancorada nas improbabilidades da areia da vida.

Quero a simplicidade de sorrir,
De dentro pra fora, 
Num fluxo, refluxo de emoções
Tão minhas e reais,
Tão minhas e banais.

Quero a naturalidade de sonhar
Sem os arcabouços pintados por outros,
Sonhos meus, simples, meus.

Quero a sutileza de viver
Florescer toda manhã.

Thai Pinheiro

quinta-feira, 10 de maio de 2012



Tenho costume antigo:
Cultivo gritos,
Que ressoam,
Escandalosamente silenciosos,
Dentre as paredes
Incolores de mim.

Não, não olhe assim,
com esses olhos anoitecidos,
Que me prendem neste quarto.

Só ouça-me:
Careço, que
Apare minhas asas.

Thai Pinheiro

quinta-feira, 3 de maio de 2012




Enquanto você respira pateticamente,
Eu sopro balões, e,
Bato as asas:
Sem rumo,
Sem relógio,
Entre fendas.

Há tanta sede
de ar,
Mar.

Enquanto seu pulso palpita,
Meu coração sangra e
Samba na avenida
Desnudo,
Ruivo,
Vivo.



Thai Pinheiro