segunda-feira, 30 de julho de 2012




Era breu
Era pedra
Maré baixa
Jardim sem chuva
árvore sem verde
Era eu

Daí tu veio
Todo,
sem arreios,
Raposa faminta,
Olhos desnudos,
Cavou bem fundo
Água nasceu

Brotou em mim a fonte,
Desaguou cachoeira
Janeiros rubi,
Dezembros framboesa,
Floresceu.


Thai Pinheiro

quinta-feira, 26 de julho de 2012





Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma."

sexta-feira, 20 de julho de 2012



Que Deus dê ao seu coração o acalento
necessário para que ele respire mais leve e sorridente,
Que a aurora diária traga consigo respingos doces
de esperança,
Que, por manhãs, tardes e noites você acredite:
- Posso ser melhor no segundo que segue, para mim e pro mundo.
Que o brilho dos seus olhos não se acanhe por mais que o breu prevaleça,
Que os sonhos não passem desapercebidos e sejam rejuvenescidos diariamente,
Que a chuva caia em seu jardim, assim como o sol, florejando a alma de claridade,
Que para cada lágrima derramada brote no terreno, que já foi árido, um momento de alegria,
E, que a sabedoria de enxergar nas gotas de orvalho o semear de longas e belas plantações te oriente rumo a preciosidade de ser.

Thai Pinheiro

domingo, 15 de julho de 2012



Bateu a porta como se nada tivesse deixado para trás.
Antes, apanhara apressadamente as roupas no armário,
amassando uma a uma na mala de couro desbotada,
Não soou uma palavra, não derramou nenhuma lágrima salgada.
Pegou as chaves, amontoou os livros sobre os braços,
Rasgou-me inteira por dentro sem, ao menos, tocar-me.
Se quer olhou-me, perdeu a memória de mim.
Junto às roupas amassadas levara tudo, risos, sonhos, vontades...
Foi...
Como se o ontem fosse rabisco apagado pelo vento
soprado na noite passada.
Foi...
Como se no coração o nunca tivesse tocado.

Thai Pinheiro

quarta-feira, 11 de julho de 2012




Não sei se foi a chuva que caiu as 7:45
Ou o sabor delicado do café meio amargo,
Não sei se foi o banho frio
Ou o tímido sol, que molhado sorria.
Não sei se foi o poema desjejum do dia
Ou a difícil rotina de existir.
Não sei se foi a bagunça dos livros no meu quarto
Ou a ventania impregnada de lembranças.
Só sei, que alvoreci assim,
Um mar de resquícios,
Um horizonte de saudade.

Thai Pinheiro

quarta-feira, 4 de julho de 2012



Nossos descaminhos,
Relógios atrasados e
Passos adiantados
Desagendaram nossos risos.

A primavera chegou.
Não florimos.
A valsa tocou.
Não dançamos.

Thai Pinheiro

Foto: Taciane Pinheiro