“Eu acredito na continuidade
das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio
onde tantas vezes mergulhamos a cara, para sempre passaremos pela sombra da
árvore onde tantas vezes paramos, para sempre seremos a brisa que entra e
passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas
em que tantas vezes olhamos o céu e interrogamos o seu sentido. Nisto eu
acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos
nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som
do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na
areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo
acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos
iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo
caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os
dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas ilusões de que tudo podia
ser meu pra sempre.”Miguel Sousa Tavares
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